As startups “formiga” se preparam para a mudança de estação
Enquanto meteorologistas acompanham os movimentos do El Niño para prever o clima nos próximos meses, observo outros sinais que podem indicar que um outro inverno pode estar chegando ao fim, o das startups. Pelo menos para aqueles que, como a formiga da fábula da cigarra, se prepararam para o tempo frio.
Um dos sinais mais recentes vem dos IPOs. Nos Estados Unidos, as aberturas de capital voltaram a florescer com vigor em junho. A Cava, uma rede americana de restaurantes fast-casual inspirada na cozinha mediterrânea, estreou na Bolsa de Nova York no mês passado pelo preço teto indicado na oferta, com valor de mercado de US$ 2,45 bilhões, e, mesmo assim, suas ações encerraram com alta de 97% no primeiro pregão.
Grande parte do mercado começa a acreditar que esse sucesso vai ajudar a puxar uma fila que estava aguardando o clima melhorar para ter uma janela de oportunidade. Os últimos 18 meses foram o período de mais longa estiagem de IPOs nos Estados Unidos desde a crise financeira de 2008-2009.
No setor de tecnologia, desde dezembro de 2021, não há um IPO de startup na Nasdaq com valor acima de US$ 100 milhões. A bolsa de tecnologia americana registrou alta de 30% no primeiro semestre deste ano, após perder um terço do valor em 2022, e é grande a expectativa de que as ofertas iniciais voltem a dar o ar da graça.
Estão na espera, por exemplo, a fintech de pagamentos Stripe e a rede social Reddit. Uma das operações mais aguardadas é a abertura de capital da britânica Arm, empresa de design de microprocessadores controlada pelo SoftBank. A estimativa do mercado é de que a empresa levante US$ 10 bilhões no IPO.
A chefe de listagens da América Latina na Nasdaq, Ivana Ferreira, afirmou, no fim de junho, que as condições estão encaminhadas para a retomada dos IPOs até o final do ano, com a expectativa de que a América Latina siga o mesmo caminho em 2024. Se você acha isso distante, faça as contas. Falta pouco mais de quatro meses.
De acordo com a executiva, havia cerca de 20 unicórnios latino-americanos com planos de listagem antes da virada dos mercados, em 2021. Nem todas vão retomar os planos no curto prazo, mas há aquelas que se prepararam do ponto de vista operacional para quando a janela de ofertas reabrir. São exemplos: Ebanx, PicPay e Rappi.
No mercado americano, alguns IPOs por meio de SPACs, as chamadas empresas “cheque em branco”, que já tinham o registro antes da crise, voltaram a ocorrer. De janeiro a março, foram 11 operações concluídas nos Estados Unidos e o valor médio foi de US$ 82 milhões.
A holding de SaaS (Software as a Service) brasileira nuvini, fundada pelo Pierre Schurmann, é um dos exemplos que se associou a um SPAC e deve estrear na Nasdaq muito em breve.
Outro sinal de bom tempo foi a operação que gerou o primeiro unicórnio brasileiro do ano: a Pismo. Os principais investidores, entre eles Romero Rodrigues, da Headline, comemoraram a venda da fintech por US$ 1 bilhão para a gigante global Visa. Foi o maior M&A do Brasil, superando em reais a compra da 99 pela Didi, em 2018.
E como isso influencia o ecossistema de inovação?
A realização de IPOs é um dos termômetros do mercado para indicar a volta dos investimentos no setor de tecnologia. Isso porque, no ciclo das startups, a estreia na bolsa é um grande objetivo, que marca para aquele negócio uma subida de degrau e mudança de patamar.
Os grandes fundos de venture capital, que investiram nas várias rodadas de investimento anteriores, as Series A, B e C, miram, muitas vezes, no IPO para ter o retorno do dinheiro aplicado durante a jornada de crescimento da startup. Grande parte desse lucro volta para os fundos investirem em novas startups que vão tentar percorrer aquele mesmo caminho.
Com essa dinâmica, o ecossistema de inovação volta a se oxigenar. Quando não há IPOs, ou grandes companhias comprando as startups em estágio mais avançado, os fundos de venture capital não recebem o retorno sobre o investimento e, chega-se a um ponto, em que congelam investimentos em novas startups.
O impacto do comportamento do venture capital chega, em menor escala, a outros tipos de investidores de startups em estágios mais iniciais, como o anjo ou seed, que enfrentam assim mais dificuldades para os exits. Entretanto, como miram prazos longos e representam volumes menores, o investimento-anjo não sofreu tanto e continua a investir neste inverno.
Por isso, o retorno dos IPOs é tão significativo para o funcionamento de todo o ecossistema de inovação. Mas este não é o único sinal de que o inverno pode estar no fim.
A taxa de juros no Brasil está em patamar em que não deve mais subir, assim acreditamos e esperamos. Isso é positivo porque aumenta a liquidez nos mercados, reduz os custos dos empréstimos e acelera toda a roda da economia.
Nos Estados Unidos, apesar de as indicações de quando os juros devem começar a cair não estarem claras, as apostas em uma tempestade que gerasse uma recessão profunda parecem ter enfraquecido. Ainda existe muito por acontecer, mas cada vez mais a economia começa a caminhar mais para o lado bom que para o lado ruim.
O fundador do SoftBank, Masayoshi Son, quebrou um silêncio de sete meses e declarou, também no fim de junho, que voltará à ofensiva no investimento em tecnologia em breve. O bilionário disse que vai encerrar a “hibernação” depois que seu Vision Fund, o maior pool de capital para investimento em startups do mundo, acumulou bilhões de dólares em perdas devido à queda dos valuations.
Todos esses sinais fazem crer que a primavera pode estar finalmente chegando, mas, claro, não garantem nada. Pode ser que sejam só clarões entre nuvens pesadas e que o inverno continue por mais tempo, com ou sem volta dos IPOs.
A única certeza é que o trabalho árduo é sempre recompensado. Assim como na fábula, as startups “formiga”, que se prepararam durante a bonança, gerando caixa e com moderação nos gastos, estão conseguindo passar por este inverno sem maiores danos. Elas não têm tanta pressa e, quando a liquidez voltar, serão as preferidas para um apetite mais seletivo dos investidores, que tanto perderam nas tempestades.
Já as “cigarras” que aproveitaram a fartura de investimentos para crescer indefinidamente, só queimando capital, devem continuar arrumando a casa e tapando os furos nos telhados, pois estarão no fim da fila para tomar sol outra vez.
*Orlando Cintra é fundador e CEO do BR Angels
Fonte: www.pipelinevalor.globo.com