Demissões em startups: entenda o que está por trás dos cortes no mercado de tecnologia
Nos últimos dois meses, o mercado de tecnologia brasileiro foi impactado por uma onda de demissões que atingiu algumas das mais celebradas startups do país. Em um intervalo de poucas semanas, empresas como Loft, Quinto Andar e Facily tiveram seus quadros reduzidos. A estimativa é que os cortes realizados apenas por essas três companhias atingiram cerca de 800 colaboradores. No mesmo período, o iFood diminuiu em 50% a abertura de novas vagas.
As demissões feitas por unicórnios altamente capitalizados— como são chamadas as empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão — acenderam um alerta para empreendedores, investidores e profissionais do setor. O sentimento de incerteza foi reforçado pela baixa do mercado internacional de tecnologia, onde já haviam começado as discussões sobre o clima de winter is coming (o inverno está chegando, em inglês) para startups e fundos de capital de risco.
Contexto global: inflação e alta de juros
Na opinião de investidores e especialistas, as demissões devem ser analisadas como parte de um contexto econômico global, marcado pelo aumento da inflação, pela retração do consumo e pelas altas das taxas de juros em diversos países, além dos impactos da guerra da Ucrânia. A necessidade de adaptação a esse cenário, no entanto, não significa necessariamente uma crise generalizada no ecossistema de startups — mas um período de desaceleração após sucessivos anos de crescimento.
“Com as taxas de juros nas alturas, os investidores seguiram o movimento esperado de apostar em opções mais seguras, como a renda fixa, que passaram a oferecer retornos mais atrativos. Isso impacta diretamente nos investimentos de alto risco, como é o caso dos aportes em empresas de inovação e tecnologia”, afirma Orlando Cintra, fundador e CEO da BR Angels, grupo que reúne mais de 200 investidores-anjo. “Obviamente, algumas companhias precisavam passar por correções de rota. Mas esse ajuste terminaria acontecendo em algum momento, independentemente do cenário atual”, diz.
A própria dinâmica dos investimentos em startups é outro ponto essencial para entender os motivos e os bastidores das demissões. A lógica do venture capital é orientada pelo crescimento acelerado e sucessivo das empresas investidas, mesmo que isso comprometa suas margens de lucro durante um período. Essa característica faz com que os aportes sejam mais orientados pela contratação de equipes que sustentem o ritmo de expansão do que a geração de caixa direto.
De acordo com João Vitor Carminatti, CEO da Stark, plataforma de investment banking que conecta investidores e empreendedores, as expectativas sobre os valuations (estimativas de valor de startups) e sobre os prazos de retorno dos aportes precisam ser levados em conta. “Muitos negócios ampliaram suas operações baseadas em projeções de valuation e prazos de retorno que não se concretizaram. Quando as condições atuais se apresentaram, os cortes vieram exatamente nos quadros de colaboradores, por mais difícil que isso tenha sido para os fundadores e para os funcionários”, diz.
Crescimento sustentável
A turbulência econômica no Brasil e no mundo deve continuar influenciando as decisões de empreendedores e investidores nos próximos meses. Mesmo com projeções inferiores aos US$ 9,4 bilhões de aportes captados pelas startups nacionais no ano passado, a oferta de capital deve permanecer consistente, principalmente para operações menos alavancadas, como as startups de pequeno e médio porte.
Para Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), trata-se de um ciclo natural de ajustes, que tende a favorecer negócios com estratégias de crescimento sustentável e modelos de receita consolidados. “Estamos saindo de um paradigma de que crescimento sempre é mais importante do que lucratividade. O mercado está se adaptando a um cenário que pede por mais olho no caixa e saúde financeira”, afirma.
A migração de investimentos para negócios early stage e startups de médio porte pode se revelar como um bom caminho para facilitar a recolocação de colaboradores demitidos. A busca por profissionais qualificados segue inclusive como um dos principais gargalos de negócios de tecnologia — e deve continuar abrindo novas oportunidades no ecossistema de startups nos próximos meses. “Mesmo com a desaceleração, os volumes de aportes ainda são maiores do que os registrados no pré-pandemia. Existem muitas empresas recebendo investimentos, crescendo e buscando por bons profissionais no mercado de trabalho”, diz Matos.
Fonte: www.revistapegn.globo.com