Fundos corporativos ganham mercado
A retração de fundos globais de venture capital, como Softbank, Tiger, a16z e General Atlantic, abriu espaço no mercado brasileiro para fundos corporativos que investem em startups, conhecidos como CVCs. Se antes eles mal conseguiam agenda com empreendedores, seduzidos por nomes estrelados na indústria de tecnologia, viraram alternativa não só de capital como de ampliação de base de clientes e melhoria de estratégia.
“No ápice de liquidez, tinha empreendedor que nem atendia a gente”, conta o gestor de um fundo multimilionário. “O mercado era super fechado porque as corporações não tinham uma boa reputação como investidoras. Mas é uma questão de entender como o mercado joga”, diz Mateus Jarros, à frente do Gerdau Next.
A postura das companhias, que insistiam em aquisições de controle ou exclusividade de operação, também mudou. “As empresas estão aprendendo a investir como minoritárias. Muitas até contratam um parceiro pra fazer a gestão e cuidar do processo”, diz Gustavo Araújo, cofundador e CEO da plataforma Distrito.
Outro receio dos empreendedores era se associar a uma grande empresa e perder a possibilidade de prestar serviço ou vender seu produto para as demais concorrentes daquele setor. “Hoje, os CVCs já entenderam a vantagem estratégica do co-investimento e de deixar a startup testar o maior mercado possível”, diz Orlando Cintra, fundador do BR Angels.
Diante de volatilidade econômica, a base de uma grande empresa vem a calhar – o Vivo Ventures, por exemplo, criado pela Telefônica, dá acesso a seu ecossistema de 1,7 mil pontos de venda e 20 milhões de usuários únicos no aplicativo para startups do portfólio.
Essa amarração com as empresas do portfólio sem comprometer o “core business” da patrocinadora e nem interferir no potencial da investida passou a ser feita como mais cuidado. “Ao longo das conversas iniciais, a gente se preocupou muito com governança e estrutura para ser bem-sucedido. O fato de não chamar de B3 Ventures, ter uma entidade separada, com um FIP, tem a ver com isso também”, disse Pedro Meduna, da L4 Ventures, fundo de R$ 600 milhões da B3.
Segundo a Distrito, ao menos US$ 620 milhões foram investidos por fundos corporativos no país em 2021 e deve fechar em patamar superior neste ano. “Só agora os fundos corporativos passaram a ficar mais competitivos. É grande lá fora, mas ainda muito recente no Brasil”, diz Araújo.
O aumento do número de fundos foi exponencial no país nos últimos anos. Segundo a Apex, eram 13 CVCs no Brasil em 2016, saltando para atuais 104. É difícil saber o número exato de dinheiro disponível, já que poucas empresas abrem esse dado – a Americanas, por exemplo, anunciou seu CVC neste ano sem abrir a cifra. Mas, só em 2022, 12 novos fundos somam R$ 2,5 bilhões, compilou o Pipeline, incluindo marcas históricas.
No ano passado, tornaram-se públicas a estruturação de fundos corporativos somando R$ 1 bilhão, como Via, Totvs, Dexco (ex-Duratex) e ArcelorMittal (que, apesar de ter um CVC global, estruturou um fundo local.
Neste ano, além do L4 Ventures, da B3, com mais de meio bilhão, a Vale separou US$ 100 milhões para o Vale Ventures, voltado a startups sustentáveis, os maiores até hoje. A Vivo, que já investia por meio de uma aceleradora da matriz, montou um veículo local com R$ 320 milhões, e a Suzano alocou US$ 70 milhões em seu primeiro CVC. Até então, os maiores haviam sido o da Totvs, no fim de 2021, estruturado com R$ 300 milhões, e da Gerdau, em 2020, com US$ 80 milhões.
Os CVCs também desaceleraram com a crise geral de tecnologia, tentando entender o cenário, mas vieram para ficar. “O investimento via CVC é uma tendência. Quem não está fazendo agora, diz que quer fazer. As empresas estão entendendo que é uma forma mais rápida e eficiente de inovar”, diz Gianna Sagazio, diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Numa pesquisa da CNI com empresas de 15 setores, 49,2% declararam que realizam ou já realizaram atividades de “corporate venture capital”. Entre as que não realizam, 10,2% informaram que estão se preparando para realizar investimentos nesta modalidade. A maior parte dos aportes acontece em temas de indústria 4.0, “software as a service” e “greentechs”.
Esse mercado não ficou incólume à crise global de tecnologia, mas vem recuperando apetite. Segundo a CBInsights, no terceiro trimestre o número de transações envolvendo CVCs no Brasil aumentou 78% em relação ao segundo trimestre, uma amostra de que o susto maior passou. Mas, com fundos ainda mais voltados para “early stage” e com revisão de “valuations”, o volume nessas transações caiu 80%, para US$ 37 milhões.
Com a volatilidade do mercado, algumas empresas preferem modelos alternativos à estruturação própria de CVC. A consultoria Bain criou um modelo de “Venture Capital as a Service (VCaaS)” para atuar como braço terceirizado. Um outro formato é o “multi-CVC” criado pela gestora MSW com capital de BB Seguridade, Microsoft, Algar e outros, já estruturando seu segundo fundo. “A gente inventou o ‘multicorporate venture capital’ no Brasil e foi chamado de maluco”, conta Richard Zeiger, da MSW.
Como miram inovações e não só retorno financeiro, no CVC, rivais são aliadas. A Gerdau Next tem um programa de aceleração de startups com a Randon Ventures que, por sua vez, já entrou em rodadas junto com o Açolab, da Mittal. Os laboratórios Fleury e Sabin se uniram já na composição do fundo, estruturando a Kortex Ventures com R$ 200 milhões há dois anos.
Mesmo para as gigantes tradicionais, inovar deixou de ser alternativa de incremento de receita para ser uma questão de sobrevivência diante do rápido avanço das novas entrantes. A Suzano já faz investimentos relevantes em inovação em seus centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, Israel e Canadá, mas quis um CVC.
“A gente identifica uma oportunidade enorme para impulsionar a inovação aberta”, disse Júlio Raimundo, diretor de novos negócios e venture capital da Suzano, numa conferência sobre o tema realizada recentemente pela Apex. “O CVC tem recursos maiores e mais estáveis, está menos sujeito aos solavancos da macroeconomia.”
Na CSN Inova, 80% dos aportes são feitos em projetos que possam auxiliar o “core business”, como “greentechs” e indústria 4.0. “Desde o início, a ideia era conseguir ajudar o grupo a se posicionar de forma estratégica no ecossistema de inovação global. A indústria pesada não estava no Vale do Silício, em Israel ou hubs de inovação”, conta Felipe Steinbruch, à frente do fundo.
Fonte: www.valor.globo.com